terça-feira, 29 de setembro de 2009

Hino de Duran

Essa é uma das minhas músicas prediletas do Chico Buarque. Composta para fazer parte de seu musical "Ópera do Malandro", é uma bela sátira ao estado policiesco vivido pela classe artística perante a censura e órgãos afins na ditadura. Realmente, a lei quando quer pegar, tem um abraço de estivador mesmo!

Hino de Duran
Chico Buarque
Composição: Chico Buarque (1979)

Se tu falas muitas palavras sutis
Se gostas de senhas sussurros ardis
A lei tem ouvidos pra te delatar
Nas pedras do teu próprio lar

Se trazes no bolso a contravenção
Muambas, baganas e nem um tostão
A lei te vigia, bandido infeliz
Com seus olhos de raios X

Se vives nas sombras freqüentas porões
Se tramas assaltos ou revoluções
A lei te procura amanhã de manhã
Com seu faro de dobermam

E se definitivamente a sociedade
só te tem desprezo e horror
E mesmo nas galeras és nocivo,
és um estorvo, és um tumor
A lei fecha o livro, te pregam na cruz
depois chamam os urubus

Se pensas que burlas as normas penais
Insuflas agitas e gritas demais
A lei logo vai te abraçar infrator
com seus braços de estivador

Se pensas que pensas estás redondamente enganado
E como já disse o Dr Eiras,
vem chegando aí,
junto com o delegadopra te levar...

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Ondas

Quando estudei os parnasianos no Ensino Médio achei que eles fossem um porre. Ainda acho um pouco, porém foi preciso um pouco mais de maturidade literária para deles extrair o quantum de beleza que possuem.
Segue o belíssimo poema "Ondas", de Raimundo Correa, que juntamente com Olavo (Brás Martins dos Guimarães) Bilac e Alberto de Oliveira, formou a Tríade (não, naquela épocas as Tríades mafiosas chinesas não estavam em voga) parnasiano.

Ondas

Ilha de atrozes degredos!
Cinge um muro de rochedos
Seus flancos. Grosso a espumar
Contra a dura penedia,
Bate, arrebenta, assobia,
Retumba, estrondeia o mar.

Em circuito, o Horror impera;
No centro, abrindo a cratera
Flagrante, arroja um volcão
Ígnea blasfêmia às alturas...
E, nas ínvias espessuras,
Brame o tigre, urra o leão.

Aqui chora, aqui, proscrita,
Clama e desespera aflita
A alma de si mesma algoz,
Buscando na imensa plaga,
Entre mil vagas, a vaga,
Que neste exílio a depôs.

Se a vida a prende à matéria,
Fora desta, a alma, sidérea,
Radia em pleno candor;
O corpo, escravo dos vícios,
É que teme os precipícios,
Que este mar cava em redor.

No azul eterno ela busca,
No azul, cujo brilho a ofusca,
Pairar, incendida ao sol,
Despindo a crusta vil, onde
Se esconde, como se esconde
A lesma em seu caracol.

Contempla o infinito ... Um bando
De gerifaltos voando
Passou, desapareceu
No éter azul, na água verde...
E onde esse bando se perde,
seu longo olhar se perde...

Contempla o mar, silenciosa:
Ora mansa, ora raivosa,
Vai e vem a onda minaz,
E entre as pontas do arrecife,
Às vezes leva um esquife,
Às vezes um berço traz.

Contempla, de olhos magoados,
Tudo... Muitos degredados
Findo o seu degredo têm;
Vão-se na onda intumescida
Da Morte, mas na da Vida,
Novos degredados vêm.

Ó alma contemplativa !
Vem já, decumana e altiva,
Entre as ondas talvez,
A que, no supremo esforço
Da morte, em seu frio dorso,
Te leve ao largo, outra vez.

Quanto esplendor! São aquelas
As regiões de luz, que anelas,
Rompe os rígidos grilhões,
Com que à Carne de agrilhoa
O instinto vital! E voa,
e voa àquelas regiões!...



sábado, 5 de setembro de 2009

Volto porque preciso....

Por maior que seja a probabilidade,
por maior que seja o costume,
por maior que seja a distância,
ciúme, ciúme, ciúme.

Por maior que seja a ternura,
por maior que seja a paciência,
por maior que seja a insônia,
ciúme, ciúme, ciúme.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

A Peter Cain

Estava na primeira das palestras que o professor Peter Cain está proferindo na UNICAMP a respeito do imperialismo britânico, de cujo estudo ele é especialista, quando veio-me a inspiração para o seguinte soneto. Perdoem-me as incorreções da formalidade poética, porém foi o jeito que encontrei para tentar adequá-lo as nobres regras do "dulce stil nouvo":

A Peter Cain

O professor sobre Imperialismo
Fala, com sua bela dicção inglesa,
"Não conservamos a chama acesa,
Industrialização por Financismo".

Sua fala não carrega de cinismo,
O que traz de ironia a esta mesa,
Velho caçador discutindo a presa
Combina pesquisa com preciosismo.

Cita autores, principalmente Hobson
E sua análise precisa, de quem
Viu uma vitoriana Pérfida Albion.

Não só falar de história ele vem,
Mas de economia, nisso que é bom,
Seja bem vindo Doutor Peter Cain.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

A 1ª Guerra Midiática

Belo artigo do Alberto Dines, sempre ele, no "Observatório da Imprensa", lembrando os 70 anos da invasão da Polônia pela Alemanha, estopim final para a Segunda Guerra Mundial.

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=553IMQ001


2ª GUERRA MUNDIAL
A primeira guerra midiática

Por Alberto Dines em 1/9/2009

"Sempre que ouço Wagner tenho vontade de invadir a Polônia", diz o personagem interpretado por Woody Allen em Manhattan murder mystery ao sair no meio de um concerto no Lincoln Center. Frase antológica, terrivelmente preconceituosa: admiradores da música de Richard Wagner podem ser humanistas e até pacifistas. Caso do regente Daniel Barenboim, que ousou executar Wagner em Israel e se distingue como campeão da aproximação com os palestinos.

Há 70 anos, em 1º de setembro, a Polônia era invadida pela poderosa Wehrmacht e aniquilada pelos Stukas da Luftwaffe. Em represália, no dia 3, França e Inglaterra, declaravam guerra à Alemanha. Começava a Segunda Guerra Mundial, o evento mais importante dos últimos 500 anos. Primeira guerra total, primeira guerra midiática. O mais horripilante painel sobre o ódio jamais produzido pela humanidade.

A mídia registrou a efeméride – sem ênfase e empolgação. Burocraticamente. Nas redações juvenilizadas, passado é passado, página virada. Poucos se dão conta que passado é palpitante, passado é o presente ampliado por perspectivas.

Jornal de hoje

A Segunda Guerra Mundial não acabou, à capitulação alemã seguiu-se o bloqueio de Berlim, o golpe na Tchecoslováquia, o confronto na Grécia, a guerra na Coréia, na Indochina, na África, no Oriente Médio. É a mesma guerra ideológica com outros formatos, beligerantes e motivações. É a mesma capacidade de simplificar idéias através do ódio.

Na realidade a Segunda Guerra Mundial começou em 30 de janeiro de 1933 (era Carnaval no Brasil) quando Adolf Hitler, o líder do Partido Nacional Socialista, tomou o poder na Alemanha sem disparar um tiro. Ganhara as eleições porque os comunistas e socialistas estavam mais preocupados em se estraçalhar do que ocupar-se com aquele que logo em seguida os estraçalharia separadamente.

Quem era esse Adolf Hitler que os satiristas chamavam de Hans Wurst, "Zé Salsicha"? Pintor frustrado que no fim da Primeira Grande Guerra, sem um tostão no bolso, aceitou fazer um curso no exército alemão para a formação de agentes antibolcheviques. Seu primeiro trabalho político foi junto ao Partido dos Trabalhadores, de direita, para fomentar sua desvinculação do marxismo. O bolchevismo é uma invenção dos judeus para tomar conta do mundo, explica Hitler em seu Mein Kampf.

Não soa familiar?

Onze anos antes, um jornalista italiano, socialista, chamado Benito Mussolini comandou uma legião de militantes fascistas para ocupar Roma e iniciar a construção do Estado Corporativista e nacionalista.

Não parece recorte do jornal de hoje?

Natureza formadora

A Segunda Guerra Mundial foi importantíssima para o Brasil: pela primeira vez em nossa história cruzamos o oceano para lutar pela liberdade dos outros Brasileiros perderam a vida pela causa democrática mas o país vivia a ditadura do Estado Novo, nossa primeira experiência em "ditabrandas".

A Segunda Guerra Mundial acabou na Europa em 8 de maio de 1945, na Ásia em 15 de agosto. Em 29 de outubro, caía Getúlio Vargas e acabava o Estado Novo brasileiro. O Estado Novo português sobreviveu por mais quatro décadas.

Nossos leitores, ouvintes e telespectadores mereciam saber um pouco mais sobre esta conflagração que virou o mundo – para melhor entender o Brasil de hoje, o mundo de hoje, a renovação alemã e as farsas italianas. Para entender Vladimir Putin indispensável conhecer o caráter de Joseph Stalin, que invadiu a Polônia 15 dias depois de começada a guerra. Para entender a revolução educacional anunciada por Hugo Chávez conviria dar uma olhada no projeto de Mussolini para ser aplicado nas escolas.

Fazer jornalismo de olho apenas na atualidade, sem referências e relações é retirar dele sua natureza formadora. Para ser devidamente compreendida, a blague de Woody Allen deve ser acompanhada por outra proferida por Hermann Göring, braço direito de Hitler: "Quando ouço a palavra cultura, tenho vontade de sacar a minha pistola".